Fernanda Cubiaco, 53, é formada em jornalismo possui Pós Graduação em Marketing e especializações em Meio Ambiente. Como uma boa carioca e amante da natureza, desde a adolescência, atua em favor da proteção animal e do meio ambiente, principalmente das praias e oceanos, que estão sufocando em lixo. Das duas causas acima, de 20 anos pra cá, focou em estudar as soluções para a correta gestão de resíduos de forma a mitigar o impacto do lixo no meio ambiente. Em 2011 criou a 'Bota pra Girar' dando inicio à consultoria para promoção da sustentabilidade, fazendo parte de várias iniciativas, como em 2015, do Movimento Lixo Zero Carioca, que presidiu de 2016 a 2018 e atuou implantando o descarte seletivo em mais de duzentas cozinhas de restaurantes e hotéis da zona sul do Rio de Janeiro. Junto à centenas de empresários e suas equipes, muitas toneladas de recicláveis seguiram para o destino correto, a reciclagem. Hoje a 'Bota pra Girar' é uma plataforma com braços de atuação, onde desenvolve projetos customizados para diversos segmentos da sociedade, para alavancar a sustentabilidade urbana e ampliar a gama de boas práticas, seja de um negócio ou mesmo de um condomínio residencial, indo desde os resíduos, passando pela água e energia. Para Fernanda, o grande diferencial de todo o serviço ofertado pela 'Bota para Girar' é a formação de equipe multidisciplinar para realizar as consultorias customizadas e o entusiasmo e a perseverança em engajar a cada dia, mais e mais pessoas no cuidado ao nosso Planeta Terra.
Fernanda, muito obrigada por compartilhar conosco toda sua experiência nesta data tão especial! Cuidar do meio ambiente deve ser uma das prioridades na agenda dos serviços de alimentação atualmente.
Como surgiu o interesse em trabalhar com o meio ambiente e a ideia do projeto Bota pra Girar? O que te motivou?
Conto pra vocês que a natureza me deslumbra. Borboleta voando, pássaro cantando, onda se formando, cão me afagando, criança sorrindo ao mexer na terra e catador labutando, me impulsionam a agir pelo bem-estar coletivo e do Planeta. Já foram mais de 2000 mil palestras, 400 consultorias e centenas de mutirões de limpeza de praia realizados.
Um dos grandes desafios que enfrentamos para qualquer assunto social é o baixo engajamento da população. Geralmente as pessoas sabem o que deve ser feito, porém não fazem, ou seja, são conscientes, mas não estão sensibilizadas o bastante para dar o primeiro passo e agir. Como podemos mudar o mindset das pessoas para as questões ambientais no âmbito pessoal e institucional?
Matéria recente publicada pela mídia informa que o estado do Rio enterra mais de R$ 1 bilhão por ano em material reciclável, quer dizer que, apenas 0,5% do que poderia ser reaproveitado vai para a coleta seletiva, enquanto o restante é despejado em aterros sanitários e lixões. Seu questionamento se fundamenta e nos dá uma dimensão do tamanho do nosso desafio. Adoraria te dar uma resposta certeira de como mudar o mindset das pessoas, mas isso não depende de um único fator. Bora pegar um ponto crucial para analisar. Em 2010 foi sancionada a Politica Nacional de Resíduos Sólidos, a Lei 12.305/2010, que dá as diretrizes para o Brasil cuidar dos resíduos evitando doenças, a poluição do meio ambiente, da água, do ar. Além de lei nacional, estado e munícipio também têm suas leis. Entre as leis municipais, cito a Lei 5.538/2012, que dispõe sobre a obrigatoriedade do processo de coleta seletiva de lixo nos geradores de lixo extraordinário no Município do Rio de Janeiro. São elencados nessa lei todos os passos para implementação do processo e por fim, no artigo, as multas para quem não cumprir, que são: I - aplicação de multa no valor de R$ 2.500,00; II - dobrada em caso de reincidência R$ 5.000,00; III - cassação do alvará. §2º Só serão passíveis de sanção na presente Lei os estabelecimentos e/ou unidades geradoras de lixo que estejam localizadas nas áreas onde a Prefeitura realiza o recolhimento dos resíduos oriundos de coleta seletiva. Participamos de um momento, em especial no Rio de Janeiro, que as leis, por vezes, são ignoradas. E muito por falta de fiscalização por parte do poder público. Mas bora ir além, o impacto do lixo e as mudanças climáticas são manchetes de jornais constantemente. Todos estamos sendo afetados, assim como os alimentos servidos à mesa. Será que precisamos ser fiscalizados para fazer o que é preciso fazer a fim de mitigar o impacto crescente que estamos fazendo no mundo?
A cadeia produtiva de alimentos é muito extensa e gera impacto em diferentes níveis. Os serviços de alimentação, apesar de estarem praticamente no final da cadeia, estão em maior evidência por serem responsáveis pela conexão entre quem produz e quem consome. Para você, como bares, hotéis, restaurantes e similares podem minimizar este impacto e usar essa evidência a favor do meio ambiente?
Em 2016, uma cliente levou muito a sério a implementação do descarte seletivo. Há época, oferecemos a destinação ambientalmente correta para recicláveis e orgânicos. Ao passo que o resíduo orgânico foi sendo separado, percebeu-se seu alto volume. A constatação levou a uma investigação em todo o processo de produção, desde a pré-produção ao descarte, considerando o resto-ingesta. Com isso acionamos a questão econômica do tripé da sustentabilidade, A sangria de desperdício em todas as fases foi controlada, gerando economia inclusive na conta do lixo. Em 2018, passei a ofertar para segmento de restaurantes, a elaboração de um relatório de sustentabilidade. Durante um ano monitoramos processos a fim de adequar as boas práticas do negócio aos 17 objetivos do desenvolvimento sustentável da Agenda 2030. No caso do alimento, o convite é olhar para cadeia: olhamos desde os fornecedores até as empresas que ofertam melhores soluções para destinação ambientalmente correta dos resíduos. E isso gera dados para comunicar interna e externamente, a preocupação por reduzir o desperdício de alimentos. São 200 milhões de pessoas no mundo, segundo a ONU, passando fome.
Fale sobre o PGRS. O que é e a quais estabelecimentos se destina? Qual a importância de ser colocado em prática pelas empresas?
Todos devem elaborar esse documento, independente de ter porte de grande gerador. Ao elaborar o diagnóstico, primeira fase do PGRS, o negócio tomará ciência do caminho de seu lixo, dos tipos de lixo que produz, da forma como está sendo armazenado, do volume, do espaço usado para armazenamento... O primeiro relatório que reunirá essas informações, permitirá ao negócio uma tomada de decisão sustentável, aonde o econômico, o ambiental e o social poderão ser contemplados, conforme disposição na PNRS.
Atualmente algumas leis já dispõem sobre a obrigatoriedade de separação e destinação correta dos resíduos gerados pelos serviços de alimentação (independente do seu porte), porém a realidade é que poucos estabelecimentos implementam essas ações. Fernanda, você pode dar algumas dicas de como viabilizar essa exigência em bares e restaurantes, por exemplo?
A exigência para o cumprimento está a cargo do poder público, que tem a missão de fiscalizar em torno de 15 mil estabelecimentos na cidade (hotéis, bares, restaurantes). Claro que, pelo andar da carruagem, isso não está acontecendo. Logo, dependemos da consciência do empresário que, em grande maioria, ainda trata o lixo como lixo e desconsidera a prioridade da adoção da correta gestão de resíduos, que demanda esforço moderado. Porque, a necessidade de diferentes coletores coloridos, foi modificada pela resolução CONEMA 55/2013, que estabelece procedimento de diferenciação mínima de cores para a coleta seletiva simples de resíduos sólidos urbanos de estabelecimentos comerciais. Por exemplo, numa cozinha, podemos ter 2 ou 3 coletores para descarte seletivo. Pode-se decidir dar destinação ambientalmente correta dos recicláveis, então vai se separar resíduos recicláveis de resíduos orgânicos/ rejeitos, ou, no caso de encaminhar orgânicos para compostagem, vai se separar recicláveis, orgânicos e rejeitos. No salão, onde há circulação de clientes, a necessidade é de coletores para recicláveis e rejeitos.
A área de atuação da Nutriv são os serviços de alimentação e você possui experiência de atuação nesta área também. Quais as vantagens e os desafios na gestão de resíduos em estabelecimentos deste tipo?
Boa pergunta! Lembrou-me que preciso convocar os arquitetos. Depois de entrar em tanta cozinha, conclui que preciso elucidar para os arquitetos (e empresários) a importância de uma doca de lixo. O mindset vai rolar. A adoção do descarte seletivo vai ser adotada por todos. E está nas mãos dos arquitetos, repensar a doca de armazenamento temporário de resíduos. Ela não abrigará apenas sacos pretos de qualquer jeito, ela precisa ter funcionalidade, como um estoque, para armazenar de forma segregada os materiais pós consumo, como embalagens vazias de vidro, que ao serem coletadas por logística reversa, podem ser novamente envasadas ou se tornam nova garrafa, evitando a extração de matéria-prima virgem da natureza. Isso é economia circular. Precisamos também de espaço para as bombonas de resíduos orgânicos, para seguirem para compostagem. Orgânicos aterrados são responsáveis por grande emissão de CO2 . O CO2 retêm calor nas camadas mais baixas da atmosfera, desequilibrando o clima e aumentando as médias de temperatura. Mas esse não é o único efeito. Outra consequência, que está sendo chamada por cientistas de "o outro problema do CO2 ", causa impacto direto no oceano, e torna a água do mar mais ácida.
Uma publicação do portal Plástico Virtual, mostra uma notícia recente da Agência Brasil que estima que, se as 10,5 milhões de toneladas de resíduos sólidos de plástico produzidos anualmente no país fossem recicladas, haveria um retorno de R$ 5,7 bilhões para a economia. Isso nos faz enxergar além da preservação do meio ambiente, o que seria um potencial econômico. No âmbito dos restaurantes, é possível enxergar esta vantagem financeira?
Hoje, indústrias como Ambev, Heineken, Nespresso e Águas Prata oferecem coleta gratuita de embalagens pós-consumo, colocando em prática a logística reversa. Isso propicia ao grande gerador economia na conta de lixo. indústrias como Ambev e Heineken, que precisam cumprir com acordos setoriais de logística reversa, oferecem coleta gratuita de embalagens de vidro, independente de rótulos, impactando positivamente. mas, para o restaurante se beneficiar na venda dos recicláveis, por hora, não enxergo essa possibilidade, Porque para obter dinheiro com lixo (recicláveis) requer investimento em espaço e logística. Por exemplo, paga-se hoje pelo alumínio, R$6,00 o quilo, e pelo plástico pet, de embalagens de água e óleo, R$1,50 (valores que variam por oferta e demanda), para um restaurante vender esse material e lucrar, precisaria de espaço para armazenar volume. Por questões sanitárias e muitas vezes por falta de espaço, isso é impossível.
Sabemos que o marketing verde vai além da reciclagem em si, envolvendo todo conceito de sustentabilidade que engloba por exemplo o estabelecimento ser socialmente justo, gerador de empregos, oferecer condições de trabalho dignas e contribuir para o desenvolvimento econômico da região. No seu dia a dia, no contato com os estabelecimentos, você considera que os mesmos possuem condições, incentivos e principalmente informação para de fato aplicar todos os conceitos de sustentabilidade?
Quando falamos das grandes redes hoteleiras, a demanda de um público global, fez do conceito sustentabilidade uma prática verdadeira, melhorando diretamente a reputação e a competitividade dos mesmos. Algumas redes de restaurantes, também já estão nessa onda. Um exemplo é o Zazá Bistrô, que há 7 anos ajusta seus processos rumo a sustentabilidade e acaba de finalizar seu 3º relatório feito pela equipe da Bota pra Girar. As informações serão compartilhadas pelas redes sociais para o público do Bistrô que completa 21 anos de vida.
Já comentamos que para uma mudança é necessário sempre a sensibilização. As ações de educação que são realizadas no âmbito institucional podem ser reproduzidas na esfera doméstica? Você acha que os restaurantes podem se tornar influenciadores para funcionários e clientes contribuindo assim para uma grande mobilização?
Tenho um exemplo lindo! Foi com o Hiram, garçom à época do Venga. Dois dias após o treinamento (quando compartilhei meu número de celular para que tirassem dúvidas), ele me ligou pedindo ajuda para resolver o problema da má gestão dos resíduos da Rocinha (imaginem o tamanho do olho que arregalei!). Prontamente disse que isso não seria fácil, mas pedi que me contasse o que o afligia. Ele contou que na rua onde morava, todos colocavam os lixos misturados na porta das casas. A condição atraiu enormes ratazanas, maiores até que o bebê dele de 2 meses, a quem ele queria proteger. Então desenvolvemos o seguinte plano: pedi que ele fosse a associação de moradores da rocinha e informasse o perigo de uma epidemia de leptospirose, que fosse a comlurb e pedisse a colocação de um container para o descarte do lixo e que falasse com os vizinhos sobre a importância de mudar o jeito de descartar o lixo... Em 15 dias ele mudou o status da Rua e me ligou para contar. Chorei.
Para fechar esse bate-papo, conta pra gente, qual foi sua experiência mais gratificante? Aquela que encheu seu coração de orgulho e te motivou a não desistir nunca?
Todo dia eu vivo uma situação que emociona e me encoraja a persistir em trabalhar com esse propósito. Quando organizamos mutirões de limpeza e plantio e milhares se voluntariam para praticar, o coração transborda. E aproveito para convidar a todos para a super ação que faremos no dia 8 de Junho, quando celebramos o Dia Mundial do Meio Ambiente, vamos dar um abraço no mar, reunindo 4 mil pessoas à beira do mar de Copacabana!
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Gente linda, gente importante, gente que ajuda as pessoas a conquistarem a saúde através da alimentação, os convido a assumir o compromisso de cuidar do nosso planeta terra e suas águas, terras, fauna e flora, pois disso dependemos para continuar existindo. Bora @botapragirar