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25 jun
Bate-PapoEntrevistas

Bate-papo com o Professor Pablo Coimbra

Janaina de Arruda Santos jun 25, 2020 1622

Nosso bate-papo do mês de junho é com o professor Pablo Tavares Coimbra. Graduado pela faculdade de Farmácia pela UFRJ, Especialista em Vigilância Sanitária pelo INCQS-FIOCRUZ, Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos no IFRJ e atualmente é Doutorando em Ciências e Biotecnologia na UFF. Possui ampla experiência na área de controle de qualidade de alimentos, microbiologia de alimentos, rotulagem nutricional, análises laboratoriais e Vigilância Sanitária e atualmente Pablo atua como professor das disciplinas Tecnologia de Alimentos e Higiene e Legislação na Estácio Petrópolis.

Muito obrigada por sua contribuição e parceria, Pablo!


Professor Pablo, usualmente não associamos “de cara” a faculdade de farmácia com a área de alimentos, área que você se especializou e atua inclusive no curso de graduação. Como surgiu seu interesse em estudar as questões que envolvem os alimentos?

Primeiramente eu gostaria de agradecer a NUTRIV por ter me escolhido para essa entrevista e oportunidade de contar minha trajetória profissional.  Quando ingressei na Faculdade de Farmácia eu já tinha conhecimento da matéria Bromatologia estava na grade curricular e no Guia do Estudante estava escrito sobre a atuação do farmacêutico na área de alimentos também.  Logo no terceiro período eu tinha começado minha primeira iniciação científica no Laboratório de Tecnologia Farmacêutica na área de desenvolvimento de microcápsulas de óleo de peixe onde utilizavas técnicas farmacêuticas e de tecnologia de alimentos. Ao realizar experimentos no laboratório de controle bromatológico (LabcBrom) da Faculdade de Farmácia – UFRJ ao terminar minha primeira IC, eu inicie um estágio voluntário nesse laboratório. No LabcBrom o meu aprendizado com analises físico-químicas de alimentos foi aprofundada. Em paralelo eu realizei minha segunda iniciação científica no Laboratório de Tecnologia de Alimentos da Escola de Química – UFRJ onde participei da Rede Solidária da Pesca e no desenvolvimento de produtos a base de pescado. Isso tudo somado as monitorias nas disciplinas Química de Alimentos, Análise de Alimentos e Tecnologia dos Alimentos que me acompanharam por toda a graduação durantes os meus três últimos anos de graduação. Após a minha colação de grau fui aprovado num processo seletivo para trabalhar num laboratório de Alimentos Mattos e Mattos, onde enveredei pela área da Microbiologia dos Alimentos. Em 2016 iniciei os estudos na Residência Multiprofissional em Vigilância Sanitária no INCQS/FIOCRUZ passando pelos laboratórios de Microscopia de Alimentos, Microbiologia dos Alimentos e pela VISA/RIO. A experiência do estágio na Vigilância Sanitária do Rio de Janeiro foi fundamental por vivenciar como funciona a inspeção e controle de alimentos no município do Rio. Em paralelo eu cursava também o Mestrado Profissional em Ciência e Tecnologia dos Alimentos, onde trabalhei com fraude e adulteração de alimentos. Eu fui sendo moldado pela minha trajetória estudantil e profissional para a atuação na área alimentícia. Tudo isso somado ao meu direcionamento para os meus estudos de aprofundamento palmilharam minha estrada que a uns anos atrás era o sonho de um estudante de ensino fundamental que sonhava em estudar alimentos no laboratório.

Como é sua integração com os alunos da graduação e qual a experiência mais gratificante que já passou em relação a eles?

A minha relação com os alunos é maravilhosa. A minha primeira experiência como docente foi como professor substituto na Faculdade de Farmácia-UFRJ. Ao termino do meu contrato eu passei no processo seletivo para a Estácio Petrópolis para ministrar a disciplina de Higiene e Legislação de Alimentos e em conjunto surgiu a oportunidade de ser Organizador de Atividades Complementares.
Essa minha segunda função dentro da instituição permitiu viver a experiência mais gratificante que foi fazer atividades de campo onde íamos para Praça do Imperador e levamos orientações para a população como dos 10 passos para uma alimentação saudável. Assistir os alunos de nutrição orientando a população local sobre como se alimentar de modo mais saudável e ver o brilho nos olhos deles com o contato com o público foi extremamente gratificante.

A clássica frase "Que seu remédio seja seu alimento, e que seu alimento seja seu remédio" de Hipócrates é uma verdade para você?

Sim. Essa frase inclusive está escrita na camisa que os alunos de nutrição e eu utilizamos do dia da atividade com a população dos 10 passos da alimentação saudável. Remédio por definição é qualquer substância ou recurso para aliviar doenças, sintomas, desconforto ou mal estar. Os alimentos tem propriedades inclusive funcionais como a aveia com as betaglucanas que auxiliam na redução do colesterol seria um excelente exemplo. Reforçando que hoje em dia substâncias extraídas de alimentos inclusive tornaram-se medicamentos fitoterápicos como a isoflavona da soja. Os alimentos como frutas, legumes e hortaliças tem papel crucial na formação e manutenção do organismo saudável.

Você considera a legislação sanitária atual do Brasil suficiente? Sente falta de alguma regulamentação específica?

A definição de alimento está descrita no Decreto-lei nº 986/1969 de 21 de outubro de 1969 como “toda substância ou mistura de substâncias, no estado sólido, líquido, pastoso ou qualquer outra forma adequada, destinada a fornecer ao organismo humano os elementos normais à sua formação e desenvolvimento”. Na minha opinião a legislação mãe de alimentos necessita urgentemente de uma atualização para que possamos encaixar os alimentos na realidade em que estamos onde as perspectivas sobre alimento seguro estão sendo levadas a sério e são extremamente necessárias.
A legislação brasileira é suficiente, mas ainda possui lacunas a serem preenchidas que nas últimas atualizações de legislação tivemos uma melhora. Vou citar como a exemplo a atualização da IN 62/2011 (Regulamento Técnico de Produção, Identidade e Qualidade do Leite tipo A, o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite Cru Refrigerado, o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite Pasteurizado e o Regulamento Técnico da Coleta de Leite Cru Refrigerado e seu Transporte) para as IN 76 (Entrada na Industria até a recepção) e 77/2018 (Produção até a Recepção da indústria) onde avanços perceptíveis e fundamentais foram observados como a análise de no mínimo dois tipos de antibióticos no leite a cada recebimento e mesmo a classificação do leite pasteurizados continuarem a mesma  da IN 62/2011 um detalhe importante para a rotulagem deve ser destacado: Sempre que ocorrer a padronização a porcentagem de gordura deve estar descrita no painel principal do rótulo, próximo a denominação de venda e em destaque.
Uma lacuna, por exemplo, é a ausência de uma legislação brasileira que limite a quantidade de benzeno em bebidas. Seria interessante que as autoridades sanitárias responsáveis estabelecessem limites para o benzeno em alimentos como refrigerantes e sucos industrializados. O limite permitido pela Organização Mundial de Saúde para água potável é de 10 ppb. Nos Estados Unidos esse limite é de 5 ppb, enquanto que na União Europeia é 1 ppb. No Brasil não foi estabelecido um limite de benzeno em refrigerantes e sucos, devendo ser adotado o mesmo limite utilizado para água potável. A legislação Brasileira atual é o ANEXO XX DA PORTARIA DE CONSOLIDAÇÃO Nº 5 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE DE 03 DE OUTUBRO DE 2017 que fala sobre o CONTROLE E DA VIGILÂNCIA DA QUALIDADE DA ÁGUA PARA CONSUMO HUMANO E SEU PADRÃO DE POTABILIDADE determina no anexo 7 do anexo XX a concentração de benzeno em água potável deve ser 5 µg/L.

Sua experiência com a área de microbiologia também é muito relevante na carreira, inclusive já tivemos uma oportunidade incrível de oferecer um curso juntos! Pablo, qual a situação mais inusitada que já viveu em relação às análises microbiológicas de alimentos?

A experiência de ministrar o Curso Investigação de Surtos Alimentares junto com a NUTRIV foi uma experiência incrível e única. (Por sinal devemos repetir, risos!) No laboratório em que trabalhei tanto como analista como residente os desafios eram praticamente diários, pois cada alimento possui sua singularidade. Mas a situação mais inusitada foi uma contaminação num lote todo de um refresco em que ninguém conseguia descobrir. Juntamente com a minha colega de trabalho e pós-graduação Jessica Portela nós começamos uma investigação para saber qual era o microrganismo. Com a sequência das mais variadas análises descartamos a contaminação bacteriana. Porém duas colônias distintas de fungos cresceram na placa de petri com meio específico. Selecionamos as melhores colônias e refizemos os repiques para posterior análise macro e microscópica. Na ausência de testes bioquímicos para fungos, lançamos a mão somente do esfregaço com coloração e leitura ao microscópio. Ao analisarmos a estrutura dos fungos ao procurar no atlas não tivemos grandes resultados. Ao pesquisarmos na internet fungos que popularmente contaminam sucos de frutas tropicais encontramos fotos de esfregaços idênticos aos nossos. Conseguimos assim identificar quais eram os dois fungos que estavam contaminando a planta produtora de refrescos. Foi um grande desafio que só foi possível ao unir a parceria entre um farmacêutico e uma engenheira de alimentos. Por isso que valorizo equipes multiprofissionais onde os conhecimentos se agrupam e fortalecem o trabalho a ser realizado.

Se você tivesse que embarcar em uma nova graduação ou área de especialização, qual seria?

Uma pergunta bem interessante uma nova graduação eu não faria. Mas tenho um grande interesse em me especializar na área de suplementação alimentar principalmente para o uso esportivo e aumento da longevidade. No caso seria para própria aplicação em mim mesmo. Em termos profissionais faria uma pós-graduação em Metodologias Ativas de Ensino. Com o mundo em movimento a forma de aprender também está se modificando, sendo assim necessário o uso de metologias modernas que atraiam o aluno para a sala de aula e o ambiente virtual de ensino.

Quais são seus planos profissionais para o futuro?

Meus planos profissionais estão intimamente ligados ao Doutorado em Ciências e Biotecnologia que faço na Universidade Federal Fluminense. Pretendo lançar toda minha energia na Tese que estou desenvolvendo para produzir um trabalho sólido e de qualidade.

Quais as mudanças que considera mais relevantes e/ou importantes no que diz respeito à higiene de alimentos no pós pandemia?

O mundo pós pandemia não será mais o mesmo. Nós estamos passando por um grande período de transformação que irá impactar em todos os setores da vida. Embora não exista nosso país a possibilidade de contrair o vírus através da alimentação. Podemos nos contaminar indiretamente com as embalagens dos alimentos e com o contato com superfícies inanimadas. Pois o vírus sobrevive no aço inox e plástico por três dias e no papelão por 24 horas. Isso exigirá não só de nós como população um maior critério ao higienizar os alimentos que chegam da rua. Assim como os estabelecimentos que trabalham com alimentos através do uso da limpeza com água e sabão e desinfecção de superfícies, materiais e utensílios com o álcool 70%. A higienização correta das mãos e dos alimentos são fundamentais para a manutenção do alimento seguro em todas as esferas.
Eu arrisco dizer que os self services e restaurantes terão que mudar toda sua dinâmica de capacidade e a forma como o acesso a comida para colocar no prato para ter a massa aferida. Pois já observamos que o alimento fica exposto muitas vezes do que a legislação preconiza até no máximo 6 horas nas ilhas. Assistimos muitas vezes em shopping centers as refeições expostas por horas e horas ficando a mercê de do contato de clientes que não higienizam as mãos, dos perdigotos emitidos das pessoas que falam em cima da comida e também uma parcela de funcionários e muitas vezes o dono que não segue as boas práticas dos serviços de alimentação. O distanciamento social também impulsionou o mercado de delivery de alimentos que necessita ainda mais de reforço nos hábitos de boas práticas e de higiene de alimentos. A diminuição da atuação dos órgãos de fiscalização sanitária também é uma preocupação. Pois infelizmente sabemos que nem todos tem a consciência de coletividade e de proteção para com a saúde pública.

Para os profissionais que estão começando, você enxerga alguma área específica do nosso mercado que vale o investimento neste momento por ser promissora?

Um mercado muito promissor para o futuro é todo assunto relacionado a nutrição em geriatria. Pois a mudança da pirâmide populacional está sendo bem progressiva. Daqui a 30 anos, por exemplo, grande da parte da força de trabalho será idosa. O idoso precisa de um suporte de uma equipe multiprofissional já que grande parte é acometida por doenças crônicas não transmissíveis (hipertensão, diabetes tipo 2, etc.) necessitando de planos alimentares diferenciados e suplementação alimentar.
Outro setor que já está crescendo e ganhará maior propulsão será o setor de atendimento nutricional online e preparo de conteúdo para redes sociais e sites. O isolamento social a qual fomos lançados mudará também a realidade de consultórios cheios e teremos o consultório online como realidade.

Dê um recado para os seguidores da Nutriv que em sua maioria são da área de alimentos!

Gostaria de agradecer mais uma vez a Nutriv pela oportunidade e quero ressaltar a competência e profissionalismo da equipe que compõe essa empresa. Prezados seguidores, nós somos o retrato de uma nova geração de profissionais de alimentos. Nossa área até então desconhecida começa a ter destaque devido a mudança de hábitos alimentares e maior conscientização da população sobre o que consome. Nós, enquanto profissionais de alimentos, temos que buscar sempre a atualização e os estudos. Em tempos de fake news temos que nos basear na ciência para desmitificar a área de alimentos e mostrar a importância do nosso trabalho para a sociedade e o bem comum. Encerro a entrevista com a seguinte frase de uma colega minha que defendeu doutorado a pouco tempo Tayany de Deus: “Bendita seja a ciência e o fruto que dela se colhe!”

Escrito por:

Janaina de Arruda Santos

Nutricionista, Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos (IFRJ), especialista em Vigilância Sanitária e Qualidade de Alimentos pela UNESA e MBA em Gastronomia e Gestão de Alimentos e Bebidas. Possui experiência na área de Controle de Qualidade e Segurança de Alimentos, com destaque para o ramo da hotelaria e restaurantes comerciais, atuando profundamente em avaliação e controle de qualidade de alimentos, treinamentos e capacitação de manipuladores e gestores da área de alimentos, padrões, legislação e fiscalização, auditorias internas e externas, avaliação de empresas fornecedoras de alimentos, e demais ações relacionadas às Boas Práticas de Manipulação e Fabricação de alimentos, além de participação em processos de implantação, manutenção e certificação do sistema HACCP. Atualmente é Docente nos cursos de Nutrição e Gastronomia na instituição IBMR no Rio de Janeiro e atua também como consultora propondo soluções para negócios relacionados à alimentação.

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